domingo, março 20

Menino Jesus - intróito e parte I

Meus caros!
Finalmente encontrei este pedaço de não sei que coisa, que comecei a escrever há uns três anos, sensivelmente. Mas só comecei! Quer dizer, portanto, que o que vão ler a seguir, dividido por vários posts para não ser demasiado pesada a leitura, precisa de continuidade. E essa continuidade precisa de alguém que a empurre. Por isso, meus lindos, vocês vão ajudar-me a escrever o resto. Nem que seja só com ideias. Se não o fizerem, castigo-vos com coisas bem piores!!! A sério, abram a vossa imaginação, se fazem favor…
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O menino Jesus andava triste como a noite. Deus, que todos afirmavam ser o seu criador, enganara-se nos cálculos e fizera-o marreco, anafado e com a dentição incompleta. De tal forma era feio, que os colegas da escola gozavam-no e chamavam-lhe nomes de répteis, sendo lagartixa o preferido de todos. Lá vem o lagartixa com a fralda de fora e o ranho ao dependuro. Olha o lagartixa com os calções do irmão mais velho, coitado, parece um pelintra. Enfim, todos os dias o menino Jesus tinha de aturar uma série de impropérios pouco recomendáveis na adolescência, que, como se sabe, é fase importante na moldura da personalidade humana. A juventude mostra o homem tal como a manhã mostra o dia, já dizia Milton, mas os companheiros do menino eram pouco dados a questões filosóficas e estavam-se borrifando para a dita integração social. Definitivamente, o menino era um excluído.
Ainda por cima, Deus tinha-o posto no mundo pelo ventre de uma mulher mal cheirosa e bigoduda, gorda e coxa, cuja profissão não abonava nada a favor da tão desejada ascensão à classe social média-alta. Era sopeira, no sentido literal do termo, pelo que passava os dias à volta de grandes panelões na cantina de uma fábrica têxtil da vila. Como se isso não bastasse, chamava-se Maria e dizia-se angélica e pura, quando todos sabiam que nos tempos da juventude tinha sido uma oferecida. Bom, não havia no bairro onde viveu em solteira homem que não lhe conhecesse o cheiro, ou que não tivesse alcançado as suas profundezas por mais do que uma vez.
Como trabalhava de sol a sol, Maria chegava a casa tão estafada que não dava atenção ao puto mais novo nem aos mais velhos, se bem que estes já pouco procuravam o aconchego maternal, de tão interessados que andavam nas filhas da vizinha que morava no andar de cima. Para não ter de cozinhar - sopa, nem vê-la -, passava dia sim dia não pelo McDonald’s e lá levava umas porcarias para os miúdos comerem. Nos outros dias-sim-dias-não, roubava na fabrica uns restos de cozido. Uma vez quase foi despedida porque estava a pôr numa caixa duas coxas de frango frito que haviam sobrado da véspera e que o patrão ainda pensava servir ao almoço do dia seguinte. Sim, já naquela altura as condições laborais eram tremendamente desumanas. No meio de súplicas e alguns favores carnais, Maria conseguiu manter o emprego. Mas ficou-lhe o aviso.
O menino sentia-se desgostoso porque nunca tinha conhecido o seu pai e sabia, desde muito novo, que ia morrer quando fizesse 33 anos. Em casa nunca tinha ouvido falar da gruta em que era suposto ter nascido. A professora de História é que lhe tinha metido essas coisas na cabeça. Carregado de dúvidas, um dia resolveu perguntar à mãe o que era feito do tal José que trabalhava em madeiras. Maria fez um ar de enfado e rosnou: Não me venhas com perguntas estúpidas, que agora estou a ver a novela.
É evidente que o menino já nem se atreveu a perguntar pela gruta. O irmão do meio, que ouviu a conversa, ainda tentou descansá-lo. Disse-lhe que não se preocupasse, que isso da gruta era coisa de gente pobre e que eles sempre tinham vivido naquele bairro social construído durante o Estado Novo. Quanto à verdadeira filiação, nada lhe disse.
(...)

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Uma boa surpresa!
A sério. A rica escreve muito bem. Adivinho um livro meio acabado nas gavetas lá de casa. Verdade?
Sua,
Pitonisa

21/3/05 9:37 da manhã  

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