quinta-feira, março 24

canis lupus


Ando há uns anos a ver se eles me uivam. Desde aquela expedição à serra do Larouco, onde o vento zurzia a uma velocidade gélida, ando a ver se eles me uivam. Nessa noite, o biólogo de serviço bem tentou, bem lhes enviou a voz que eles têm, mas não obteve resposta. Os juvenis, se os havia, estavam bem enroscados debaixo das mães, e as mães deviam estar bem atentas aos filhotes que tinham para amamentar e não se deram ao trabalho de responder ao chamamento dos humanos.
Agora noutras latitudes, vou estar de novo perto deles no fim desta semana, tão perto como quando a Urze me fitou o suficiente para que eu a adoptasse. Pobre lobinha, que trocou comigo um olhar fugaz para morrer tempos depois, sem que ninguém tivesse sabido de quê. É pena, é sinal que eles também nos morrem e isso causa tristeza, mesmo não passando de criaturas selvagens. Também não verei o Nemrod. Era venerado por todos os elementos da alcateia, admirado pelos visitantes e único na sua condição de mais antigo. O patriarca.
Os lobos têm coisas curiosas, e a maneira como se organizam faz-nos pensar duas vezes sobre a nossa pretensa inteligência. Por muitos que sejam os membros da família, só há um casal – e apenas um – que procria. É o alfa, ao qual compete também ditar outras regras de convivência e sobrevivência. Na hierarquia, segue-se o casal beta, que se tornará alfa quando vagar o lugar de quem ainda detém as rédeas. E ninguém lhes disse que tem de ser assim. Eles sabem e pronto. Como sabem escolher o lobo mais fraco, sobre o qual a alcateia faz recair invariavelmente todos os acessos de fúria. Regra geral, é o mais débil em termos físicos e o menos prestável em termos de caça. O omega.
Ando há uns anos a ver se eles me uivam e agora também vou alimentá-los. Pode ser que me deixem vê-los. Sim, que me deixem. É que o lobo não está à nossa mercê, não vem ao nosso encontro a não ser que queira. Sabe bem que o homem nem sempre é amigo e, embora a lenda o tenha atirado para a condição de lobo mau, a verdade é que o medo do confronto é incomparavelmente maior do lado de lá.
O lobo teme-nos. Nós é que pensamos que não.

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

boa tarde
chavala
curti o blogue...........
bom fim de semana em mafra!!!!
jnhs

24/3/05 3:53 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Parece-me que anda um Buda por aqui...

24/3/05 5:49 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Sim, Buda, era eu a falar de ti!
Cadelinha Lésse

24/3/05 5:49 da tarde  

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