quinta-feira, maio 5

Ele há coisas

Ia eu muito descansadinha, sobre o empedrado da minha rua, e, de repente, puuummmmmmmm. Nem percebi muito bem o que foi, mas ainda vi um carro a ziguezaguear uns metros à minha frente. Cheguei-me, parei, liguei os quatro piscas, peguei na mochila, saí do carro e fechei-o. À volta da sua Marea de um azul-parolo, a desditosa condutora bradava asneiras umas atrás das outras. “Fo*a-se, c*r*lho, fo*i o carro todo. Nem a p*ta da porta abre”. Desculpem-me o palavreado, mas o relato, garanto-vos, é mesmo fidedigno! Quis ajudá-la, perguntei se era preciso ligar a alguém. Mas a rapariga, entre os palavrões, a choradeira e a pilha de nervos quase a transformar-se em bomba atómica, conseguiu ligar ao “mor”, que era o Joel. “Fo*i o carro todo, mor. Eu bati e f*di o carro todo, ó Joel”. Na verdade, a carrinha não ficou muito católica. Até a tampa da gasolina se desfez em pedaços, jazendo no empedrado. A moça mandou-se contra um muro, não há dúvidas. E bateu, precisamente, do lado em que, no banco de trás, seguia a filha. Para simplificar: F***u mesmo o carro todo, pelo menos do meio para trás. Chorava que nem a madalena, continuava o seu rosário asneirento e eu, com a mania de querer ajudar tudo e todos, lá falei com o Joel e disse-lhe que a rapariga estava nervosa. “Não posso ir aí agora, sabe? Estou a trabalhar muito longe”. Não sei o que a Cristiana lhe disse mais, mas acabou por acalmar e seguir viagem, agora mais devagar. Antes, ainda puxou a cassete atrás e lá concluiu que foi por causa do telemóvel que se enfiou no muro. Vá lá que não houve motivos para novo chorrilho de asneiras. Já vão perceber porquê. É que naquele sítio há muita areia sobre o paralelo e o carro serpenteou e serpenteou. Quando me preparava para ir embora, já a Cristiana ia longe, um velho acenou-me. Abri o vidro: “Ó menina, que eu estava a ver que ia levar com o carro. Estou aqui… ai, que fui operado ao coração há dias e ainda nem consigo falar. Isto, isto foi um sinal, o carro passou a meio metro de mim. Nunca mais vou esquecer este dia”. Agora digo eu: fo……-se!