Arroz de frango
Da única vez que estive com o nosso “escritor maldito”, ganhei coragem para me dirigir a ele sem levar na mão um dos seus livros para o autógrafo da praxe. Azar o meu, que até hoje não posso orgulhar-me de ter uma dedicatória de Saramago, apesar de uma das minhas estantes exibir a obra quase completa, e ainda levei um ralhete por estar ali a interromper a cadência da esferográfica com que debitava breves palavras a desconhecidos, mas com pulso firme. Tão firme quanto o rosnar com que fui presenteada por aquele homem que, melhor do que ninguém, sabe mostrar o quanto uma pessoa lhe causa enfado. Contudo, não desarmei. Bichanei-lhe: “Estou aqui para lhe dizer que o senhor é uma pessoa muito bonita”. O homem, valha-me deus, ia tendo um fanico. Estava prestes a dedilhar em mais um livro, mas fez recuar o gesto e olhou-me de frente, como eu gosto que as pessoas me olhem. Agradeceu as palavras com um afago na minha face direita e trocámos um cumprimento de mão. Se eu fosse fundamentalista, nunca mais tinha lavado o rosto nem a mão, também direita.
Antes, porém, já lhe tinha escrito. Numa das minhas longas e saudosas noites de leitura, ganhara coragem para mandar-lhe um subscrito cheio de palavras ilegíveis e de outras tantas frases sem sentido. Nunca mais me esqueço de como comecei essa missiva: “Acabei de comer o meu prato favorito – arroz de frango”. Era aqui que eu queria chegar: adoro arroz de frango. Aliás, adoro o frango em toda a sua plenitude, seja cozido, seja estufado, seja estorricado numa brasa, seja de que forma for. Só não posso dizer que o aprecio cru, porque não experimentei. Ainda.
Toda a gente tem o seu prato favorito. Uns gostam de tripas, outros de caracóis, outros ainda de francesinhas (mesmo que seja só em imaginação, porque ainda não ganharam coragem para ir ao Porto comê-las...), de arroz à valenciana, de bacalhau à Braga, de filetes de polvo com arroz do mesmo, ou de enchidos, que também os há muito bons. Mas eu gosto de frango, o que querem? Até parece que é pecado gostar de coisas simples, como arroz de frango. Gosto de coisas simples, porque sou uma pessoa simples, ora. E fico fula quando encontro gente que só sabe complicar. Era aqui, mais uma vez, que eu queria chegar: por que será que as pessoas tendem sempre a complicar o que não deve ser complicado? Fala-se num café e logo nos mostram uma agenda cheia de idas ao ginásio ou ao cabeleireiro; fala-se num jantar e fica-se a saber que não vai ser possível dentro dos próximos cinquenta anos, o tempo previsto para durar a carestia que atravessa os bolsos de todos nós; fala-se numa caminhada à beira-mar e, deus me livre, nem pensar, que o corpo tem de dormir para ficar em forma; sugere-se uma sessão de cinema que não seja à segunda-feira e, ora bolas, afinal não vai poder ser... por causa da quadratura da circunferência.
Eu cá julgo que a vida é para ser vivida sem agendas, à medida do dia que acabou de passar e sem pensar se a noite que aí vem vai ou não prejudicar o orçamento de estado ou a rotação dos planetas que compõem o nosso sistema solar. Sou pelas coisas simples, adoro pertencer ao grupo dos que têm resposta imediata: sim ou não, em vez do “vou ver se dá, depois digo”. Se vivêssemos em estado de sítio e fosse decretado o recolher obrigatório, ainda compreendia. Mas não. Cá para mim, as pessoas têm medo de viver. Agarram-se à sua rotina de oito horas de sono, ao levantar cedo só porque acham que têm de arrumar a casa, à convicção de que em dias de trabalho um café depois do jantar é coisa que as deixará com uma grande neura na manhã seguinte. Haja paciência! E eu é que me queixo das cãs que me nascem a cada segundo... e eu é que, dessas oito horas a que tenho direito, não consigo dormir mais do que uma e a seguir faço trezentos quilómetros de estrada.
Sei que cada um é como cada qual, mas continuo com a impressão de que nem toda a gente sabe dar valor à vida, à saúde, à juventude sem vícios e à estabilidade que o trabalho proporciona. Por vezes, parece-me que, se não houver problemas, há que arranjá-los para manter a mente ocupada, não vá dar-se o caso de se morrer de tédio. Morrer, vamos morrer todos. Por isso, enquanto andamos neste mundo e podemos aceder ao que de bom ele nos dá, por que não deixar de lado as convicções? Razão tem o Buda, que se borrifa para o politicamente correcto e tira o melhor partido da vida, em todos os aspectos. Tu, ó rapaz dos canários, andas aí a matar-te com as tuas contabilidades e quase não estás com as tuas meninas! Tu, ó rapariga do chá, que também andas numa fona, a trabalhar de sol a sol para chefes mal intencionados, quando devias era, nem que fosse só uma vez, mandá-los àquela parte! E tu, rapariga do Amor Maior, já pensaste que o teu carro, um dia destes, está cheio de bolor no motor?
E eu? Estou com fome e em cima do fogão está um tacho de arroz de frango...
Antes, porém, já lhe tinha escrito. Numa das minhas longas e saudosas noites de leitura, ganhara coragem para mandar-lhe um subscrito cheio de palavras ilegíveis e de outras tantas frases sem sentido. Nunca mais me esqueço de como comecei essa missiva: “Acabei de comer o meu prato favorito – arroz de frango”. Era aqui que eu queria chegar: adoro arroz de frango. Aliás, adoro o frango em toda a sua plenitude, seja cozido, seja estufado, seja estorricado numa brasa, seja de que forma for. Só não posso dizer que o aprecio cru, porque não experimentei. Ainda.
Toda a gente tem o seu prato favorito. Uns gostam de tripas, outros de caracóis, outros ainda de francesinhas (mesmo que seja só em imaginação, porque ainda não ganharam coragem para ir ao Porto comê-las...), de arroz à valenciana, de bacalhau à Braga, de filetes de polvo com arroz do mesmo, ou de enchidos, que também os há muito bons. Mas eu gosto de frango, o que querem? Até parece que é pecado gostar de coisas simples, como arroz de frango. Gosto de coisas simples, porque sou uma pessoa simples, ora. E fico fula quando encontro gente que só sabe complicar. Era aqui, mais uma vez, que eu queria chegar: por que será que as pessoas tendem sempre a complicar o que não deve ser complicado? Fala-se num café e logo nos mostram uma agenda cheia de idas ao ginásio ou ao cabeleireiro; fala-se num jantar e fica-se a saber que não vai ser possível dentro dos próximos cinquenta anos, o tempo previsto para durar a carestia que atravessa os bolsos de todos nós; fala-se numa caminhada à beira-mar e, deus me livre, nem pensar, que o corpo tem de dormir para ficar em forma; sugere-se uma sessão de cinema que não seja à segunda-feira e, ora bolas, afinal não vai poder ser... por causa da quadratura da circunferência.
Eu cá julgo que a vida é para ser vivida sem agendas, à medida do dia que acabou de passar e sem pensar se a noite que aí vem vai ou não prejudicar o orçamento de estado ou a rotação dos planetas que compõem o nosso sistema solar. Sou pelas coisas simples, adoro pertencer ao grupo dos que têm resposta imediata: sim ou não, em vez do “vou ver se dá, depois digo”. Se vivêssemos em estado de sítio e fosse decretado o recolher obrigatório, ainda compreendia. Mas não. Cá para mim, as pessoas têm medo de viver. Agarram-se à sua rotina de oito horas de sono, ao levantar cedo só porque acham que têm de arrumar a casa, à convicção de que em dias de trabalho um café depois do jantar é coisa que as deixará com uma grande neura na manhã seguinte. Haja paciência! E eu é que me queixo das cãs que me nascem a cada segundo... e eu é que, dessas oito horas a que tenho direito, não consigo dormir mais do que uma e a seguir faço trezentos quilómetros de estrada.
Sei que cada um é como cada qual, mas continuo com a impressão de que nem toda a gente sabe dar valor à vida, à saúde, à juventude sem vícios e à estabilidade que o trabalho proporciona. Por vezes, parece-me que, se não houver problemas, há que arranjá-los para manter a mente ocupada, não vá dar-se o caso de se morrer de tédio. Morrer, vamos morrer todos. Por isso, enquanto andamos neste mundo e podemos aceder ao que de bom ele nos dá, por que não deixar de lado as convicções? Razão tem o Buda, que se borrifa para o politicamente correcto e tira o melhor partido da vida, em todos os aspectos. Tu, ó rapaz dos canários, andas aí a matar-te com as tuas contabilidades e quase não estás com as tuas meninas! Tu, ó rapariga do chá, que também andas numa fona, a trabalhar de sol a sol para chefes mal intencionados, quando devias era, nem que fosse só uma vez, mandá-los àquela parte! E tu, rapariga do Amor Maior, já pensaste que o teu carro, um dia destes, está cheio de bolor no motor?
E eu? Estou com fome e em cima do fogão está um tacho de arroz de frango...
2 Comments:
Dou-te razão...agora mais do que nunca! bora lá marcar o churrasco!
Só se levares o teu carro até minha casa. Vá lá, são só dois metros...
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