domingo, dezembro 9

Lembrei-me dela

Porque está de chuva, lembrei-me dela. Hoje, chovesse até canivetes, ela ia sair logo de manhã, com uma amiga que tem como irmã, para fazer compras. À tarde também tinha coisas para fazer (uma ida ao cabeleireiro fazia parte do programa) e à noite ia sair com amigos. Há dias, o mesmo da semana que é hoje, foi pela primeira vez a uma discoteca. Não queria, mas obrigaram-na a ir! Nesse dia não choveu.
Encontro-me com ela todos os dias na casa-de-banho. Eu na minha demorada operação de lavagem de dentes (duas escovas, fio, colutório e gel), ela a limpar as sanitas, os lavatórios, o chão. É quase tão franzina quanto a esfregona e tem um ar de sofrimento como poucos vi até hoje. Não há muito tempo, o olhar estava mais triste. Ela estava mais triste. Falei-lhe e desatou a chorar. Agarrei-a e perguntei: “Então, menina?”
Enviuvou há dois anos e ainda não consegue suportar a saudade que carrega. Talvez por isso é que é tão pequena, como se a solidão a tivesse feito encolher. Pergunto-me como será chegar àquela idade e não ter ninguém. E, entretanto, a chuva continua a cair.